Um duelo até a morte: Goya e os significados de Duelo a garrotazos

Por Francisco Fontanesi Gomes*

Uma dedicatória especial ao Presidente, pois este quadro representa as consequências da sua visão de mundo. Acredito que Fernando VII aprovaria suas ações sem hesitação.


Caro leitor, venho através deste texto lhe apresentar um quadro nomeado Duelo a garrotazos (fig.1), do artista espanhol Francisco de Goya y Lucientes. Sua obra, a qual venho estudando já por quase três anos, é extensa, possuindo uma presença muito grande na História da Arte da Espanha e do mundo por sua capacidade de nos impactar até hoje, seja com a beleza de suas composições ou o grotesco e monstruoso de sua pintura. Nenhum grupo de pinturas do artista representa melhor este elemento do que as Pinturas Negras.

Este conjunto de quatorze quadros foram produzidos entre 1820 e 1823, quando o artista aragonês já estava com uma idade avançada e uma saúde debilitada, inclusive com a sua audição completamente deteriorada por muitos anos. Nestas telas, algumas delas muito famosas como Saturno (fig. 2), destacam-se figuras violentas, bizarras e cobertas com uma grande quantidade de tinta preta e ocre, dando um tom ainda mais tenebroso para estas obras. Todos estes quadros cobertos de um horror grotesco foram encontrados muito depois da morte do artista, em sua antiga casa nos arredores de Madrid, chamada Quinta del sordo (Fig. 3). O que se descobriu foi algo inquietante: Goya não apenas pintou estes quadros, mas resolveu adicioná-los à decoração de sua residência, adornando as paredes com suas Pinturas Negras, pintando-as diretamente na parede. Imagine viver nesta residência!

Mas a pergunta que deve vir a sua cabeça, caro leitor, especialmente depois de ver estes quadros e ter se assustado, ou até mesmo se enojado um pouco, é: “Por qual motivo ele pintou algo assim? Uma pintura não era para ser “bonita”, ainda mais neste período em que Goya viveu, das grandes cortes europeias?” – no que lhe respondo, caro leitor, que sim, Goya viveu uma boa parte de sua vida em um período em que os estilos Rococó e Neoclássico dominavam a cena artísticas das cortes europeias, inclusive a Espanha. Ainda assim, logo estes foram sendo deixados de lado, especialmente o Rococó, que representava o que estava de errado na política europeia do período: o absolutismo e a cultura de corte. Não se esqueça que esta é a época do Iluminismo, o Século das Luzes, e Goya não será um mero espectador. Durante sua carreira, especialmente a partir de 1778 até a sua morte em 1828, o artista aragonês se aproximou cada vez mais da versão espanhola do Iluminismo, chamada de Ilustración. Muitos Ilustrados, desde nobres como os Duques de Osuna, até profissionais liberais como Gaspar de Melchor de Jovellanos, eram amigos muito próximos do artista, que sempre fez questão de fazer seus retratos e discutir em diversas cartas sobre os assuntos mais importantes, especialmente o que consideravam os “atrasos” da Espanha, como a Inquisição, que ainda mantinha uma mão firme na sociedade espanhola do século XVIII, sustentada e apoiada pela Coroa. Talvez o caso mais célebre destas amizades que Goya manteve com estes Ilustrados foi seu grande amigo e confidente, Martin Zapáter. A figura de Zapáter é importante, pois este era um rico comerciante de profissão liberal que galgou através de seus negócios uma posição muito importante na sociedade espanhola. Além disso, as cartas que os dois trocaram por quase uma década foram conservadas e revelam muito da biografia do artista aragonês e de sua relação com os liberais espanhóis.

Ainda assim, a Espanha não conseguia se desvencilhar da relação com o regime absolutista, a inquisição católica e as consequências de falar contra estas instituições, como a repressão e censura de ideias. Ainda assim, dois eventos mudaram drasticamente a vida de Goya e sua vida como artista: O primeiro foi a Revolução Francesa, em 1789. Por mais que as consequências ainda não pudessem ser completamente visíveis, muitos liberais pela Europa ficaram exaltados com as mudanças que a Revolução poderia trazer, especialmente para os países mais “atrasados”, como a Espanha. O segundo evento foi sua doença em 1792, até hoje inexplicada, que quase o levou à morte. Apesar de sobreviver, o artista terá sequelas – uma delas foi a surdez. Quando ainda estava se recuperando, em 1793 o rei Luís XVI é decapitado pela Revolução, e logo o Terror começa a ser instaurado com as guilhotinas. Mas você, caro leitor, deve estar se perguntando: “O que tudo isso tem a ver com estas tais pinturas negras? São anos de diferença até 1823, por qual motivo está me relatando estes eventos?”. Lhe relato, caro leitor, pelo motivo de que estes serão dois eventos que afetaram Goya tanto em sua esfera pública e política quanto em sua esfera pessoal e imaginativa. A partir daí, vemos algumas mudanças drásticas em sua obra, com mais figuras bizarras aparecendo, formas e monstros ainda mais grotescos, loucos, assassinos etc. Ele começará a perceber o mundo de uma forma diferente. A Revolução, que deveria vir para libertar os homens da força opressora do absolutismo e da Igreja, logo começa a se metamorfosear em uma semiditadura, que promoverá guerra com todos os países europeus, além de um ar paranoico que irá se instaurar na nova República, com suas guilhotinas descendo todos os dias na capital. Ainda assim, esta não será a pior consequência da Revolução para Goya e para a Espanha. Haverá ainda uma figura que se destacará e trará um verdadeiro inferno para o país Ibérico: Napoleão Bonaparte.

Mas por enquanto, caro leitor, lhe peço um pouco de paciência, pois quero lhe apresentar e descrever uma obra específica deste conjunto e, quando as ligações começarem a ser feitas, verá que esta obra se destaca muito dentre as Pinturas Negras por mostrar as consequências do que acontecerá com a Espanha entre os anos de 1808 e 1820. Dentre estas obras, caro leitor, a que quero lhe mostrar e analisar é uma que vem chamando minha atenção por já alguns meses. Esta é nomeada Duelo a garrotazos ou, em tradução livre, “Duelo as bordoadas”. Caro leitor, uma das coisas mais importantes a se fazer quando se está tentando entender um quadro é, antes de tudo, vê-lo, analisá-lo e se apropriar de cada canto, cada tom de cor, cada forma. Desta maneira, é possível descobrir elementos que o artista colocou, mesmo que não tão evidentes, mas que são importantes para se interpretar todo a composição. Ao observar bem este quadro, a primeira impressão ao compará-lo com os seus “irmãos” é que existe uma paleta de cores diferenciada, com a presença de azul no céu e algumas clores claras, variando dos tons pretos, ocres e dourados deste conjunto de telas. Todo plano de fundo dos céus está coberto por nuvens, mas como se fossem se abrindo para que a luz revele o que está acontecendo no primeiro plano da pintura, com uma paisagem muito característica da Espanha e de vários quadros do artista aragonês, com montanhas. Em especial, uma montanha que se encontra à direita destaca-se por ser uma grande montanha, cortada por ser muito alta. Abaixo desta encontra-se uma colina pequena, em tons dourados e ocres, e, forçando bem os olhos, é possível ver uma caravana com bois e animais, como se houvesse algum tipo de vila com pastores e cuidadores de gado, talvez até uma pequena fazenda.

É neste momento, caro leitor, ao observar toda esta luz colorida vinda de um céu azul sendo revelado enquanto as nuvens se abrem, é neste momento que se é tocado pelo verdadeiro terror desta pintura. No primeiro plano, é possível observar dois homens, um de costas para o espectador e outro de frente, ambos se olhando com suas roupas cinzas desgarradas. A primeira coisa que irá lhe chamar a atenção é que ambos estão com algum tipo de clava ou porrete nas mãos, e ambos estão no ato de virá-las para acertar o adversário. Trata-se de uma briga, de um duelo, de um desentendimento levado até as últimas consequências. E esta troca de golpes já deve estar acontecendo há algum tempo, pois a figura que está de frente para o observador está coberta de sangue no rosto, que escorre especialmente de seu nariz, sua orelha e o canto do seu olho, descendo por todo o pescoço, até manchar sua camisa branca, destacando ainda mais o sangue e a seriedade da briga. Mas esta briga não será qualquer uma: é possível ver que o que Goya lhe revela, caro leitor, é uma luta até a morte, ensanguentada, talvez até mesmo descabida. E se olhar bem ao fundo do espaço entre as duas figuras enraivecidas, será possível ver dois animais bem pequenos, mas marrons e com chifres. Esses, claro, são touros, que também parecem estar em uma luta, fazendo de certa forma uma “rima” com o que acontece com os dois homens ao primeiro plano, representando uma luta animalesca, impulsionada pelo irracional e pela pura emoção. Mas, enquanto ambos tentam se matar, o observador pode olhar mais abaixo da composição, e neste caso, caro leitor, verá que as pernas de ambos os homens estão cobertas quase que até as coxas. Diferente do céu claro e das montanhas coloridas, o que cobre as pernas dos lutadores é escuro, com tons de um verde muito escuro, parecido com um musgo, amarelos lamacentos e ocres. Este, caro leitor, pode ser um lamaçal, uma areia movediça ou até mesmo um pântano, o que é mais provável, que vai engolir ambos os homens nesta luta sem sentido, independente de quem vencer. Ou seja, não há possibilidade de vitória, para nenhum dos dois: o jogo está marcado. Se ambos não se matarem na luta, o “vencedor” será tragado por este pântano verde e lamacento, isso se ambos não o forem antes. Por mais que os céus estejam iluminados, Goya os usa como recursos para levar a atenção do observador para as duas figuras, e mostrar a tragédia que se desenrola na cena. No fim das contas é uma tragédia, uma cena triste, pois estas figuras estão se matando e nem se sabe o que os motivou a tal coisa. Podem ser fazendeiros, camponeses, irmãos, simples vizinhos que se desentenderam, ou amigos que beberam demais e realmente possuem um problema sério de violência internalizada. Isso diz muito sobre o papel da violência na obra de Goya. Especialmente em Los Caprichos, sua série de gravuras, o artista aragonês costuma mostrar como a violência é brutal e, muitas vezes, sem sentido. Ela vem de qualquer lugar, de qualquer um contra um alvo qualquer.

Agora você, leitor, deve estar se perguntando: “Bem, compreendi. Entendi que estes dois homens estão se matando. Mas é só isso? Por qual motivo Goya pintou este tema enquanto os outros são horríveis e cheios de monstros? Qual o significado destes dois homens sem nome?”. Bom, caro leitor, na História da Arte, um artista raramente faz escolhas completamente sem nexo, sem qualquer significado – e, em especial o artista aragonês, este nunca deixava um “ponto sem nó”, como diz o ditado. Apesar da surdez e de sua saúde frágil, sua mente sempre foi afiada quando se trata de certos temas, especialmente tragédias. Esta imagem é uma invocação de diversos símbolos, uma ligação com diversos significados, inclusive das próprias Escrituras. Goya se interessava muito por temas mitológicos, mas também por temas religiosos. O artista começou sua carreira na cidade de Zaragoza, trabalhando como pintor para a Igreja antes de entrar para a corte em Madrid. E não há nada mais trágico em todo o Velho Testamento do que a morte de Caim e Abel. Caim, em um acesso de ciúmes e por discordar da forma como seu irmão adorava Deus, o golpeia, matando-o no lugar. Por isso, é considerado o primeiro assassino da humanidade e é amaldiçoado por Deus com uma marca, sendo condenado a vagar pela Terra. Goya conjura toda uma tradição para ativar no observador algo macabro, aquela violência assassina, um tipo de desentendimento misturado com inveja que nos torna irracionais, animalescos, como os homens em seu quadro, como Caim e Abel. Mas não é só na minha palavra que deve acreditar, caro leitor. Um filósofo muito importante para nós, das Ciências Humanas, Tzevetan Todorov, em seu livro sobre o artista, possui uma percepção parecida do que está acontecendo nesta pintura:

“O outro representa duas figuras perfeitamente simétricas, dois camponeses que, metidos na terra até os joelhos, trocam bordoadas (gw 1616). Ele pode ser percebido como uma imagem de lutas fratricidas que balizam a história da humanidade, desde Caim e Abel até os confrontos entre conservadores e liberais na Espanha, lutas que se revelam trágicas para dois participantes e ameaçam provocar sua destruição mútua – caso desses camponeses que se arriscam a ser tragados pelo solo.” (TODOROV, 200, p.215 e 216)

Perceba, caro leitor, como Goya está invocando estes fantasmas da humanidade exatamente para demonstrar nosso poder autodestrutivo, descontrolado, entre dois irmãos, dois partidos. Uma dicotomia que não se soma, mas que vê no outro o maior perigo para sua própria existência. Ambos estão em uma luta até a morte, mas nenhum percebe que o pântano irá engoli-los igualmente e sem piedade. Mas aí surge a pergunta: “Compreendo todo este terror. Mas por qual motivo Goya decide invocá-lo? Apenas por gosto da pintura? Por sua ligação com mitos e religião?”. Bom, caro leitor, é evidente que Goya imaginou essa cena, a fez a partir de sua imaginação e sua reflexão como um artista que vivia adoentado. Mas nem tudo se explica por fatores internos. Se lembra do que comentei algumas páginas antes? Sobre Napoleão Bonaparte, o cônsul que se tornou imperador dos franceses e “terminou” a Revolução, este havia comandado que suas tropas atravessassem os Pirineus e atacassem Portugal para que este aderisse ao Bloqueio Continental contra a Inglaterra. Ao fazer isso, os aliados espanhóis lhe permitiram passar pelo país com suas tropas e, ao dar abrigo e apoio aos franceses, estes começaram a se instalar no país, de forma sutil, colocando diversas tropas em lugares estratégicos. Quando Fernando, filho de Carlos IV e Maria Luísa, tentou tomar o trono espanhol, todos foram presos por Napoleão e o imperador logo tomou para si a península, colocando seu irmão José como rei. A partir daí, tudo começou a ficar de mal a pior para Espanha. A população, indignada com o que Napoleão havia feito, começa a se revoltar e pede a volta da família real. A partir daí, começa uma grande revolta em Madrid no dia 2 de maio de 1808, que quase expulsa os franceses da capital espanhola. Mas então, o excêntrico e violento general Murat decide pôr um fim a esse motim, com a repressão total dos madrileños, além de aprontar diversas filas de fuzilamentos e execuções sumárias contra qualquer um que um soldado francês suspeitasse de resistência. Os quadros 2 de mayo e 3 de mayo (fig. 4) de Goya mostram exatamente este terror que se seguiu à revolta. Mas se Murat acreditou que havia posto fim a tudo aquilo, estava completamente errado. A população de toda a Espanha, assim como os oficiais remanescentes do exército, começa a se mobilizar para resistir por todo o país, mas não do jeito tradicional: através de uma guerrilha. Franceses seriam mortos em emboscadas e em resistências incríveis dos espanhóis, como na cidade onde Goya trabalhou em seus primeiros anos como pintor, Zaragoza. Mas a reação dos franceses seria pior ainda: um exemplo é a cidade de Zaragoza, que ficou basicamente destruída; inclusive seus muros medievais, que ajudaram na sua defesa, foram completamente demolidos pelos franceses. Massacres contra a população civil, represálias contra os ataques surpresas deixavam uma pilha de mortos pela Península Ibérica.

Estas horrendas experiências marcaram profundamente o artista aragonês, que, apesar de apoiar as ideias iluministas e, até certo ponto, estar contente com a Revolução, agora via as consequências destrutivas das investidas de Napoleão e o ciclo horrendo que este havia despertado. Mesmo com sua derrota em 1812, o ciclo de mortes violentas na Espanha continuou, e aqui entra a figura de uma das mais detestáveis figuras da História da Espanha e, talvez, do mundo: o rei Fernando VII (Fig. 5). O que o imperador francês acabou despertando na Espanha foi um desastre. Suas campanhas reiteraram dois grupos políticos e sociais que se tornaram inimigos mortais na Espanha: Os Conservadores e Liberais. Enquanto o país estava sendo ocupado, muitos liberais participaram das lutas e montaram um governo provisório na cidade de Cádiz. Estes liberais defendiam a volta de Fernando VII e até o aclamavam como El Deseado, “o desejado”. Por mais que desejassem a volta do rei, queriam também uma constituição, liberalizando a Espanha e tentando implementar “algo de bom dos franceses”. Ainda assim, quando os franceses foram expulsos, Fernando VII voltava ao poder com apoio popular e, ao invés de promulgar a constituição, El Deseado se torna um pesadelo. Este decide restabelecer o absolutismo anterior aos franceses, a polícia secreta para qualquer um que se opusesse ao seu regime e, para o espanto de todos, decidiu reinstituir o Tribunal da Inquisição, que havia sido abolido com a Revolução. Em pouco tempo, o sonho de derrotar os franceses e trazer o rei de volta se torna um segundo pesadelo, uma desgraça para Espanha e para a sua população. O governo de Fernando será um desastre e terá consequências duradouras para a sociedade espanhola. Quase todas as colônias na América se tornaram independentes, desmantelando o Império Espanhol. A economia terá vários reveses pela devastação criada pela Guerra. E a insistência ultraconservadora de Fernando VII irá criar uma das mais amargas divisões vistas em um país. Ao insistir a qualquer custo em sua agenda, El Deseado criará uma sociedade dividida entre dois grupos políticos, um cada vez mais liberal, o outro cada vez mais conservador. Com ideologias e crenças diferentes, estes dois grupos irão se destroçar em lutas civis e golpes, chegando ao seu clímax em 1936, mais de cem anos depois da restauração de Fernando VII, na Guerra Civil espanhola.

Observe, caro leitor, como é possível conectar o Duelo a garrotazos a estes acontecimentos trágicos. Goya pinta dois irmãos se matando, pois é assim que ele vê sua Espanha, é dessa forma que ele observa os acontecimentos, como uma luta sem freios, uma “tourada” até a morte. O problema é que Goya, mais sagaz, não escolhe um lado dessa briga – pelo contrário: ao incluir o pântano, o artista mostra ao observador que os lutadores estão tão cegos de ódio que não percebem que logo mais irão se afundar em um profundo lamaçal, no qual irão morrer. Não há nada mais aterrorizante do que irmãos fratricidas, do que pessoas de um mesmo país se matando. Quem haveria de ser pior do que Fernando VII?

Mas ainda assim, apesar deste quadro ter uma origem nestas reflexões de Goya sobre as lutas entre liberais e conservadores, o artista aragonês cria uma imagem muito poderosa e expressiva, que ultrapassa eras. O artista também muda a História da Arte, que a partir daí terá uma imagem para conflitos em sua natureza civil, entre lados, entre irmãos. Você, caro leitor, que chegou até aqui, agora pode observar essa pintura como um resumo dessas lutas fratricidas pela História. Goya não é um dos artistas mais reconhecidos da História da Arte espanhola por acaso. Sua capacidade de imaginar cenas que estão entre o real e sua imaginação são exemplares. É possível, sim, interpretar o Duelo como um quadro reflexivo sobre a situação política da Espanha naquele período, mas ele também tem a força para sobreviver ao seu próprio tempo e passar pelas eras e olhares de mais pessoas. Como Daniel Arasse escreveu belamente em seu livro, Nada se vê, sobre Las Meninas de Velázquez: “o tempo não esgota As meninas, ele as ‘enriquece’” (ARASSE, 2019, p. 134).

Talvez este seja o caso aqui, o Duelo vai ganhando mais potência ainda com tempo, vai se tornando cada vez mais presente em nossas mentes. Ele está em sintonia tanto com seu tempo, quanto com o nosso. Suas possibilidades de interpretação aumentam, mas sua raiz, sua origem está ligada a um acontecimento específico, em circunstâncias muito claras. Sua origem é uma tragédia feita imagem.

Gostaria de agradecer imensamente ao leitor que chegou até aqui. Espero ter atendido às suas expectativas. Aos organizadores da revista Guaru, que me deram a liberdade para escrever da forma como eu queria e realizar este experimento. E por último, mas não menos importante, ao meu amigo Lucas, que continua sendo o meu braço direito na reflexão e nos estudos.



Figura 1. Francisco de Goya y Lucientes. Duelo a garrotazos, 1820 - 1823. Técnica mista sobre revestimento mural trasladado a tela, 125 x 261 cm. Museo Nacional del Prado, Madrid. Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/duelo-a-garrotazos/2f2f2e12-ed09-45dd-805d-f38162c5beaf

Figura 2. Francisco de Goya y Lucientes. Saturno, 1820 - 1823. Técnica mista sobre revestimento mural trasladado a tela, 143,5 x 81,4 cm. Museo Nacional del Prado, Madrid. Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/saturno/18110a75-b0e7-430c-bc73-2a4d55893bd6

Figura 3. Hipótese da disposição das Pinturas Negras dentro da residência da Quinta del Sordo. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Quintasordo.svg

Figura 4. Francisco de Goya y Lucientes. El 3 de mayo en Madrid o "Los fusilamientos", 1814. Óleo sobre tela, 268 x 347 cm. Museo Nacional del Prado, Madrid. Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/el-3-de-mayo-en-madrid-o-los-fusilamientos/5e177409-2993-4240-97fb-847a02c6496c

Figura 5. Francisco de Goya y Lucientes. Fernando VII en un campamento, depois de 1815. Óleo sobre tela, 207 x 140 cm. Museo Nacional del Prado, Madrid. Disponível em: https://www.museodelprado.es/coleccion/obra-de-arte/fernando-vii-en-un-campamento/eb432c33-5391-4e84-b55f-14281c36d416

Bibliografia

ARASSE, Daniel. Nada se vê: seis ensaios sobre pintura. Tradução Camila Boldrini e Daniel Lühmann. São Paulo: Editora 34, 2019.

BOZAL, Valeriano. Pinturas negras [Goya]. Madrid: Fundación de Amigos del Museo del Prado. Disponível no endereço eletrônico do Museu:

https://www.museodelprado.es/aprende/enciclopedia/voz/pinturas-negras-goya/3ac8fe0b-3dd9-4dcd-b1e1-a21877cc8163

KAYSER, Wolfgang. O Grotesco. Tradução J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 2013.

LYNCH, John. Edad Modena: Crisis y recuperación, 1598.1808: Historia de España Volume 5. Barcelona: Editorial Crítica, 2005.

OSTROWER, Fayga. Goya: artista revolucionário e humanista. São Paulo: Editora Imaginário, 1997.

TODOROV, Tzevetan. Goya: à sombra das luzes. Tradução Joana Angélica d’Avila Melo. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

Mídia audiovisual

THE MOST DISTURBING PAINTING. Produção de Evan Pulschak. Narrador: Evan Puschak. The Nerdwriter, 2018. 1 vídeo (8:46 min). Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=g15-lvmIrcg&t=315s&ab_channel=Nerdwriter1

CIVILISATIONS. Produção BBC. Apresentadores: Simon Schama, Mary Beard e David Olusoga. 9 episódios (60 min). Episódio 7: “Radiance”. 2018.

*Colaborador externo.