A cena audiovisual brasileira em tempos de pandemia e o jardim fantástico
Por Fiona Maria, Luiz Ariel e Pedro Bournoukian Moura*
A 24ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes tomou vida entre os dias 22 e 30 de Janeiro deste ano. O festival, já tradicionalmente conhecido na cena audiovisual brasileira, ocorreu pela primeira vez de forma completamente online e gratuita, adequando-se às recomendações de saúde e sendo um dos primeiros nesse modelo a obter grande alcance de público nacional e internacionalmente.
Durante essa edição nós, estudantes de Cinema e Audiovisual, fomos agraciados com a possibilidade de participar da cobertura oficial de imprensa do evento e, não só conhecer e dialogar com diversos realizadores, mas também entrar em contato com obras repletas de Pontos Positivos. Dentre elas, uma recheou a pauta de nosso podcast, surpreendendo-nos ao apresentar uma perfeita representação de como é sentir-se parte trabalhadora da cena audiovisual brasileira em meio ao caos atual: “O Jardim Fantástico”, de Fábio Baldo e Tico Dias.
Conhecida também como o maior evento do cinema brasileiro contemporâneo, a Mostra de Cinema de Tiradentes vem ocorrendo em território histórico mineiro desde 1997, através do patrocínio de empresas públicas e privadas. O evento audiovisual vanguardista, que é focado na produção cinematográfica, reúne também as mais diversas formas de manifestação artística entre debates, mesas e encontros, formando uma grande festa. Em 2021, a mostra deu início ao calendário cinematográfico do país apresentando a temática “Vertentes da Criação”, que propunha reflexão acerca de como nosso imaginário imagético tem se alterado durante esse “tempo de suspensão” pandêmico. Uma mudança brusca nos desejos de realizadores brasileiros tem reconfigurado completamente a produção audiovisual, possibilitando que muitas novas vertentes de processos criativos tomassem forma: queremos filmar situações diferentes e analisá-las de outros modos.
E não só a pandemia do novo coronavírus pode ser responsabilizada pela mudança repentina desses olhares. Observar diariamente golpes parlamentares e incansáveis cortes nas políticas de financiamento do nosso cinema tem afetado profundamente a forma brasileira de fazer filmes, despertando a necessidade do exercício criativo que adapta-se ao material disponível. Nesse contexto, a Mostra de Tiradentes sobrevive e nós três, que ainda vivenciamos tais angústias pela primeira vez, sobrevivemos e aprendemos com ela. Durante uma intensa semana de trabalho na qual assistimos incontáveis filmes e participamos de dezenas de chamadas de vídeo, entramos diretamente em contato com as tantas vertentes da criação citadas e com aquela que particularmente tocou-nos ao representar de forma tão suave e arrebatadora essa onda de novas sensações que ainda tentamos compreender plenamente.
A existência de um festival de cinema que valoriza a cultura brasileira como a Mostra de Tiradentes, realizado de maneira democrática em termos de tecnologia digital, tem sua mensagem principal sintetizada em um simples projeto de curta-metragem: partindo do ponto de vista de um ambiente escolar – tão prejudicado pelo governo vigente – e com protagonistas de origem indígena - que dispensam qualquer tipo de comentário em relação ao momento atual – o Jardim Fantástico é um curta-metragem folclórico que busca na fuga da realidade uma correlação entre a obra e o espectador.
Com um ritmo paulatino, os diretores desenvolvem a atmosfera única que a obra possui de modo a dar cada vez mais profundidade e imersão em meio à sequência dos acontecimentos. Mesmo sem diálogos extensos ou situações complexas, através de pequenas pistas a barreira do metalinguístico é construída e a ponte dos dois mundos forma-se diante de nossos olhos, ganhando um sentido muito maior considerando a situação em que o filme é exibido.
Como foi dito anteriormente, um festival de cinema realizado de maneira digital sempre é uma experiência completamente diferente de um evento vivido presencialmente. Entender a relação do emissor com o receptor é além da linguagem cinematográfica, é uma questão do mais básico grau de comunicação. E, nesse sentido, quando nos encontramos em um evento no qual é impossível que essa relação seja destacada, torna-se maravilhoso enxergar o fundo verde misterioso que o curta exibe antes de aplicar os efeitos visuais que embarcam seus personagens em jornadas além do que pode ser captado em imagens.
Seja no surrealismo que os fatos cotidianos nos derrubam até o realismo dos simples diálogos de personagens que nos prendem, em meio a tanto caos, às vezes é difícil distinguir onde está exatamente a ligação entre onde vivemos e onde sonhamos. E mesmo que seja no escuro de nossos quartos em frente a uma tela de computador, um grande evento cultural pode acabar levando-nos totalmente fora de nosso monitor para outros universos. E, bem, considerando nossas opções, qualquer jornada para longe de nossos algozes parece ser prazerosa.
Para conferir a cobertura completa 24ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes, que tiveram a participação dos membros do conselho editorial da Revista Guaru, conferir o Podcast de Fiona Maria, Luiz Ariel Pontos Positivos nos links abaixo:
*Colaboradores externos.