"Somos artistas e não filósofos, porque nos move a palavra e não a ideia" disse mais ou menos assim o Albert Camus

Por Clarice Sabino*

I.

no primeiro instante é isso

ficar

pacientemente sentar

nessa mesa vazia

até que o espaço se arredonde

em pequenos grãos e tudo em volta

se encha de brilhos e risadas

e então sentir as minúcias

impronunciáveis

o não saber nomear as colinas

nem os pássaros

afiar a navalha do tempo

nas pétalas da espera

escutar o maquinário infinito

do universo se expandindo

como um banho frio no escuro

mas ainda não saber o que é banho

o que é frio o que é escuro

com o tempo se aprende

a ficar

e ficando inteiro espera-se

que a luz do sol habite

o papel e a cabeça

ou o que existe no lugar

de onde deveria estar

a cabeça

procura-se um instinto

que emparelhe

as distâncias

os murmúrios as múmias

as tumbas tarântulas

orquídeas orquestras

azuis

os cortes nos lábios depois de quebrar

e seguir bebendo nas garrafas de vidro

II.

ambiguidades

gaguejantes

violências

ambivalentes

intensidades

inefáveis

III.

cair de bicicleta

ao colher frases batidas

nos campos de morango

para depois cozinhar

com açúcar e esperança

a geleia até que

chegue no ponto

apocalíptico

de ser degustada

nessa mesa vazia

IV.

no segundo instante é isso

a espera

e não se pode perdê-la

(já faz tempo -

pareço esperar

uma vida inteira)

Arte:


Barbara Massuela

Instagram: @barbaram.massuela

*Colaborador externo

Instagram: @nadadissoeparavoce